– Mãe, por que você não usa esse vestido? perguntou minha filha mais velha.
– Porque me lembra o João.
– Então, por que você não dá o vestido para alguém?
– Porque me lembra o João.
Incoerente. Tantos anos depois, recusa e apego pendurados no mesmo cabide.
O nome é fictício, mas o ex-amor é real. Hoje, não curto nenhuma nostalgia do passado, nem desejo proximidade. Entretanto, o vestido fica. Símbolo das coisas incongruentes que habitam minha história.
A peça de roupa certamente não sobreviveria à nova ordem mundial dos armários, ditada pela japonesa Marie Kondo. A guru da organização, que vendeu milhões de livros e estrela uma série de TV, diz que só deve permanecer na casa aquilo que nos faz feliz. Faço o que com meus filhos e meus bichos, que me fazem muita raiva também?
Seria muito bom mudar a vida dobrando roupas e com arranjos externos, mas como acreditar numa lógica de bem ou mal para tudo e pretender aplicar um método único para a desordem de todos? Colocar mais regras na vida de um controlador pode ser uma forma de reforçar o medo (do imprevisto, do novo, dos sentimentos).
Será que a japonesinha famosa lida bem com o inesperado? Com as mudanças e com as emoções?
Não posso deixar de pensar no altíssimo índice de suicídios no Japão. Na terra dos organizadores profissionais, a rigidez de tentar encaixar todas as pessoas em escaninhos pode tornar a pressão insuportável.
Nos últimos anos, o número de suicídios de crianças e adolescentes japoneses atingiu o maior patamar em décadas. Os mais afetados são justamente esses jovens seres desordenados, intensos e impulsivos. Incapazes de se adaptar a uma sociedade obcecada pela eficiência, eles se encontram profundamente sós nos seus embaralhamentos afetivos. Onde a norma mecânica se impõe, a variação orgânica não é bem-vinda.
É legal simplificar a vida. É bom cercar-se de beleza. Mas precisamos de tolerância a alguma bagunça, porque harmonia permanente e as meias de Marie Kondo, dormindo satisfeitas na gaveta, são mentiras.
Não tenho simpatia por essa nova religião, cujo deus é a ordem. Nos inseguros, ela cria mais defesas. Nos maleáveis, pode criar culpa. É uma lógica excludente e opressiva, que não suporta nossos inevitáveis desatinos, nossa criativa genialidade, nem nossa ambivalência particular.